Ser - denominação “daquele que existe”.
Mãe -fonte, origem, a causa da existência.
No inicio da
concepção, a partir do momento em que constatamos que carregamos um Ser dentro
de nosso ventre, emprestamos o nosso corpo á esse pequeno hospedeiro que fará
dele sua moradia por nove meses.
São meses de uma espera cheia de alegrias,
enjoos, expectativas e sonhos.
Quando por fim o bebe nasce inicia-se outro processo.
Agora um Ser que chora, faz xixi, coco, tem fome,
dor de barriga e por vezes não dorme depende de nós.
Por alguns anos deixamos nosso Ser, nossas
aspirações vontades pessoais de lado, adiamos nossos planos para Ser a Mãe.
Somos ,sobretudo mães.
Vivemos uma relação simbiótica com nossos
pequenos até que adquiram certa independência e possamos retomar nossa vida e
identidade.
Muitas de nós acompanhando o desenvolvimento
de nossos filhos ficamos em dúvida se tudo está mesmo correndo bem!
Lembro-me de meu filho bebê, comparava-o com outras
crianças da família, um pouco mais velhos ou um pouco mais novos com um
desenvolvimento bem mais adiantado do que o dele.
Por vezes eu sentia uma angústia enorme.
Será que estava vendo coisas onde não existia?
Esperava meu bebê brincar com as mãozinhas,
rolar, sentar, segurar os pezinhos e nada!
Aos oito meses veio à constatação da deficiência,
paralisia cerebral severa!
Meu filho seria diferente de todas as
crianças que conhecia das irmãs, dos primos, dos filhos dos vizinhos.
Como seria minha vida daquele momento em
diante?
Pensando nisso e vivendo numa realidade
diferente das de muitas outras mães, olho para aquelas que como eu tem um filho
deficiente e percebo que algo truncou o nosso caminho.
Nossos filhos tem um ritmo diferente para
crescer, aprender, se tornar independente (nem sempre isso acontece ).
Nosso processo de Ser Mãe é mais longo,
algumas de nós não nos libertamos da maternidade simbiótica porque a demanda de
ter um filho com deficiência severa é tão puxada que acabamos vivendo por e
para eles.
Muitas de nós perdemos a nossa identidade e
também não deixamos que nossos filhos construam as deles.
Precisamos tomar o cuidado de não sermos
caracterizadas só como a mãe de uma pessoa com deficiência!
Nossos filhos também tem uma identidade a construir
apesar da deficiência, eles tem outras características que precisam ser
exploradas.
Mantemos uma relação simbiótica até a idade
adulta, que muitas vezes é necessária pela sobrevivência do filho, mas é
preciso encontrar mecanismo para que de alguma forma possamos preservar a nossa
identidade, a nossa individualidade e consequentemente a deles também.
Quando pequenas ensaiamos para ser mãe.
Nossas bonecas eram nossas filhas, um pequeno laboratório onde era
exercitado nosso espírito maternal.
Crescemos, viramos mulheres e acabamos por
ter filhos que são muito diferentes das bonecas, mas quem quando criança
brincou em ter um filho diferente?
Pois é
nunca nos falaram que acidentes acontecem no meio do caminho e que a
deficiência faz parte da natureza e que qualquer um pode ter um filho, um neto
ou mesmo se tornar uma pessoa deficiente.
Somos preparadas para ter filhos normais,
esperamos que a vida transcorra dentro do que se considera normal e de repente
nos deparamos com a deficiência de um filho?
Por que machuca tanto a noticia da
deficiência de um filho?
O que realmente “pega” nessa hora?
Se fossemos preparadas para isso, se a
sociedade estivesse preparada para isso seria tão complicado ter um filho com
deficiência?
Desde que o mundo é mundo ser deficiente além
de ser diferente é ser menos!
Crescemos com essa ideia porque é o que foi
cultivado não só em nós, mas no inconsciente coletivo.
Então ter um filho com deficiência faz com
que sintamos pena de nós e de nossos filhos, assim como a sociedade.
Essa “piedade” a que somos expostas é pisar
em cima da nossa dignidade e autoestima, porque assim como toda a sociedade
também nos sentimos pesarosas por nossa prole diferente.
Como recompensa diante de todo o preconceito
somos premiadas com o titulo de “mãe especial” e nossos filhos são os anjos
enviados.
Pronto o ciclo está completo:
Preconceito- piedade- recompensa
Nós mães também precisamos ser cuidadas,
amparadas, termos a nossa privacidade o nosso tempo para ficar sem fazer nada,
ou fazendo qualquer coisa que se goste e que de prazer.
Muitas vezes deixamos de fazer algo que nos
dá prazer por culpa:- “Como posso fazer algo que gosto enquanto meu filho está
em casa sem fazer nada?”
Jogar
essa responsabilidade nas costas do filho com deficiência é cruel...
Não é ele e nem a deficiência que nos
mobiliza, mas sim a incapacidade de lidar com a realidade.
Uma neurose toma conta de nós e tudo o que
fazemos e o que somos gira em torno “daquele” filho.
Por “causa” dele abrimos mãos de nós mesmas,
como se isso fosse um grande feito, uma grande prova de amor.
Isso não é e nunca foi amor...é culpa.
Uma culpa que está marcada em nossa
consciência pela forma que o deficiente foi tratado no decorrer de todos os tempos.
Para entendermos melhor a relação da mãe com
o filho deficiente descrevo abaixo resumindo um pouco a história da deficiência
no mundo e no Brasil através dos tempos, informação tirada do livro Rota da
Amizade do Grupo Chaverim.
“Por muito tempo na história das pessoas com deficiência
eles eram fadados á reclusão doméstica, quando não internados em manicômios ou
outras formas de exclusão absoluta”.
A
deficiência era um caso exclusivamente da família, o deficiente não era
inserido na sociedade.
A
deficiência era tratada em ambientes hospitalares e assistenciais. Os médicos
eram os grandes especialistas e orientavam as famílias até na educação dessas
crianças.
Devido à
falta de exames e de diagnósticos pessoas com deficiência eram internadas como
doentes mentais afastadas do convívio social.
Foi
depois da I e da II Guerras Mundiais devido aos mutilados de guerra, a
deficiência deixou de ser responsabilidade só da família, passando a ser do
Estado também.
Com o
progresso da medicina foram criados hospitais-escolas, como o Hospital das
Clinicas em SP (1940) onde novos estudos e pesquisas foram feitas na área de
reabilitação.
Como
essas crianças não podiam frequentar as escolas regulares foi criado entidades
como a Pastallozzi e APAE.
Essas
associações começaram a pressionar o poder público para que fosse incluída na
legislação a “educação especial”, que ocorreu pela primeira vez com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961).
A
partir daí as próprias pessoas com deficiência criavam organizações onde promoviam
o esporte entre pessoas cegas, surdas e com outras deficiências físicas que
raramente ultrapassava o bairro ou o município, mas que foi o embrião de ações políticas
que se desenvolveriam no Brasil nas décadas seguintes.
A ONU
declarou 1981 o Ano Internacional da
pessoa com deficiência, os movimentos mundiais se intensificaram pela luta dos
direitos humanos , onde garantia direito plenos a todos os cidadãos,
independentemente da raça, religião ou deficiência .
Com a
Constituição de 1988, o Brasil garantiu a proteção das pessoas com deficiência.
Foi
criado a Coordenadoria Nacional para a integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE), órgão federal cujo eixo de ação é a defesa de direitos e
promoção de cidadania."
A
partir daí foram criados órgãos várias leis, projetos de lei para proteger e garantir
os direitos da pessoa com deficiência.
Tudo
isso ainda é muito novo.
Mas o
que tudo isso tem a ver na relação mãe e filho?
Tudo a
ver...
Ele nos
mostra a responsabilidade que carregamos sozinhas por séculos, a maternidade de
um filho com deficiência.
Um
passado recente em que fomos massacradas assim como nossos filhos por uma
sociedade exclusiva e preconceituosa.
Essa
superproteção e simbiose que muitas de nós mães ainda temos com nossos filhos, foi
a forma que encontramos para nos mantermos vivos...eles acabaram por fazer
parte de nós( causa de nossa existência)...passamos um pouco da nossa “normalidade”
a eles( para que existam) e a fazer
parte deles assumindo um pouco da deficiência .
Assim
caminhamos até hoje.
A
inclusão está acontecendo de forma lenta e progressiva.
As
futuras mães de crianças com deficiência terão outro olhar, outra vivência com
seus filhos deficientes.
O
Estado de uma maneira ou de outra dará suporte para que essa criança e essa mãe
tenham a sua identidade e individualidade preservadas.
Estamos
um momento de transição que precisa ser aproveitado.
Mães de
crianças com deficiência precisa de amparo, informação, orientação desde a hora
da noticia até completar seu ciclo das fases do luto a aceitação, garantindo
que não fiquem presas em nenhuma delas , até o momento que em uma sociedade
inclusiva, a deficiência não será mais um problema liberando as mães dessa via
crucis que vivem por terem gerado um filho com limites diferentes dos da
maioria.
As lutas,
os projetos em prol da criança com deficiência devem começar pela família, por nós .